quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

"CHARLATANICES" com "da" e com "de"


CHARLAS LINGUÍSTICAS e CHARLATÃES
 
     Comecei, desde muito cedo, a aprender que esta coisa da Língua Portuguesa e suas ramificações,  não são tão fáceis como me quiseram fazer crer. Ainda andava pela Primária e já tinha a mania que sabia umas coisas acerca da "língua de Camões". Lá porque me diziam que eu tinha uma letra bonita, dava poucos erros ortográficos e apresentava redações explícitas q.b.,  convenci-me de que me bastaria conservar aquelas embrionárias valências, para, a qualquer momento,  fazer delas uso, quer fosse no exercício de uma futura atividade profissional, quer noutras áreas onde aqueles atributos me fossem úteis. Bofetões, da velha professora Elisa, levei alguns, não tanto pela falta de aplicação nas aulas ou na demonstração do resultado dos conhecimentos adquiridos, mas tão somente porque eu tinha uma extraordinária apetência para levar tudo para a brincadeira. Enquanto os meus colegas passavam o tempo da aula subjugados à disciplina da cana-da-índia, eu levava a coisa na desportiva. Era mais bofetada, menos bofetada. Até porque a mestra só costumava dar umas bordoadas, com aquela cana cheia de nosaria, a quem estava no quadro. Aos que prevaricassem na carteira, como era o caso, o tratamento era mais à base de chapada. Pese embora a senhora ser possuidora de umas mãos bastante escanzeladas e ossos duros, os nós dos seus dedos não eram assim tão rijos que se comparassem aos nós da cana.

     Mas onde é que eu quero chegar, com toda esta espécie de lengalenga? Perguntarão vocês. Pois então, vou responder.Tem isto a ver com adjetivações, imprecisõescharlas e charlatices, que é o que, a todo o momento, nos querem impingir. Quando era puto, ouvi, umas largas centenas de vezes, às velhotas de Vale da Pinta, a seguinte frase:
     - Eu não sou como o relógio de Valada, que repete sempre três vezes!
      O que elas queriam dizer, na delas, é que já tinham dito uma vez e estava dito e sentenciado. Não estavam para perder tempo a repetir, nem por uma só vez, o que antes tinham ordenado. Nós, putos, a viver a dezassete quilómetros de Valada do Ribatejo, sabíamos lá quantas repetições é que o diabo do relógio fazia... Mas que elas o afirmavam, afirmavam.
     Passados uns anos, tinha eu saído da tropa, fui fazer um trabalho no edifício da Junta de Freguesia dessa mesma Valada, a tal do invulgar relógio que tocava que se fartava. Para quem não saiba, a Junta de Freguesia era ali quase paredes-meias com a igreja que albergava o famoso relógio, por isso era-me fácil escutar e contar as repetições que soavam no avisador da terra. E não era que eu me punha a contar: uma, duas, três e... alto. O raio do aparelho estaria parcialmente avariado? Se só repetia duas vezes...
     Como eu era teimoso que nem uma mula velha, não descansei enquanto não perguntei ao presidente da autarquia, sr. José Barata, se aquele instrumento era recente ou se, pelo contrário, já lá estava a bater horas quando me aldrabavam com aquela estória das três repetições. O homem levou a coisa para a brincadeira, e, respondendo à questão que lhe coloquei, disse-me que aquele relógio já era da era dos afonsinos. Não satisfeito com uma só resposta, ainda perguntei ao escriturário, sr. Guilherme Alves, se era mesmo verdade, que aquele antigo relógio tivesse, algum dia, repetido por três vezes o toque das horas. O homem, na altura com uns sessenta anos, gracejou dizendo que já ouvira essa estória do relógio de Valada, contada por gente de fora, mas que isso não passava de uma invenção. Portanto, o relógio assinalava as horas por três vezes, mas, por exclusão de partes, só repetia duas.
     Depois, em posteriores conversas, que aflorei em Vale da Pinta, acerca de tal episódio, ainda fui acusado de ser demasiado preciosista. Para quê questionar o facto de as pessoas acharem que duas eram o mesmo que três? Que mal tinha chamarem três a duas e duas a três? Pelos vistos, nenhum. Mas se, naquela época, alguém tivesse a ousadia de transportar o tema para o estado de uma qualquer donzela, logo veria que a moçoila nunca poderia, em caso algum, argumentar que dois era igual a três. Em terras pequenas, livrasse-se ela de tal heresia; até eram capazes de a apedrejar. Mas isso foi preconceito do passado, porque, nos tempos que correm, tão boa figura fazem as que têm dois, três...como aquelas que somam quinze ou vinte. Dá para perceber que estamos na era das equivalências. Que o diga o Miguel Relvas. Tanto assim é, que, se hoje em dia vamos a um qualquer hipermercado e, por vezes, pagamos só duas peças e trazemos três... é porque duas podem ser iguais a três, tal como o relógio de Valada.

      Mas os preciosismos, embora com um interregno de algumas décadas, não iriam ficar por ali, já que muitas outras questões, algumas com origem na política e na imprensa, me saltavam à mente. Mas antes, permitam-me que divague um pouco sobre a raiz da questão, que mais não é do que o famigerado imbróglio dos "da" e dos "de".  Se eu, ou um outro meu conterrâneo, falar da minha terra, digo eu e diz ele: sou de Vale da Pinta; se o fulano for de Vale da Pedra, dirá isso mesmo; se for de Vale de Cavalos, também o dirá, mas se for do Vale de Santarém, do Vale da Porca, do Vale da Tapada ou, ainda, do Vale da Serra d'Arga, já não é o mesmo. Como não sou especialista na matéria nem abelhudo, deixo aos outros a possibilidade de se evidenciarem, analisando e concluindo o que se lhes oferecer opinar sobre tal tema.

     Sem descurar o preciosismo, mas agora a um nível menos erudito, num patamar inferior, mais a descambar para a arruaça, quiçá a roçar a boçalidade e o vernáculo, mas de todo real, vou persistir na senda dos tão controversos "da" e "de", para ver se consigo vislumbrar o que tem estado na origem de tanta discórdia.
     Aqui há uns anos, ainda o Nuno Gomes era júnior do Boavista, fui assistir, no campo nº 2 do Estádio do Bessa, a um jogo entre esta equipa e a do Benfica, a contar para o Nacional da categoria. O árbitro Carlos Pinto, de Coímbra, como já vinha sendo hábito, roubou o Benfica até mais não. Ele, devido ao acumular de procedimentos e atuações menos honestas, até foi posto fora da arbitragem. Mas eu, que tinha pago o meu bilhete para ver um jogo que pretendia fosse arbitrado com um mínimo de idoneidade, não me conformava com tal roubalheira. De tal modo eu estava irritado, que comecei a insultar (?) o fulano do apito, à boa maneira do Ribatejo, com predominância para a palavra "cabrão". Um dos espetadores, ali ao meu lado e que eu não conhecia de lado nenhum, perguntou-me:
     - O senhor não é do norte, pois não? - ao que eu respondi:
     - Não sou, não! Porquê?
     - Sabe, é que nós, aqui, o que costumamos chamar aos árbitros, é "filho da puta". Concluí, então que, entre uma palavra e a outra, era uma questão de preciosismo.

     Ao longo dos tempos em que permaneci cá pelo norte e centro-norte, fui ouvindo frases que, no centro-sul e sul seriam impensáveis. Muitas vezes assisti, de fora, a conversas entre rapaziada, entre amigos, em que um deles, ou mais, para chamar ou questionar um membro do grupo, que estaria a uma qualquer distância, ou que estaria a chegar, não interessa, usavam amiúde (e usam) a seguinte frase: 
     - Então ò filho da puta, onde é que tens andado?
     Mas é filho da...., ou filho de.... ? É que uma vez, em Coímbra, assisti a uma conversa entre o dono de um snack e um seu conhecido cliente, que por ali costumava almoçar, e fiquei a matutar naquilo que o recém-chegado disse. A uma pergunta do proprietário, estabeleceu-se o seguinte diálogo:
     - Então, Zé Carlos! Vens com a fronha um bocado amarrotada, pá! Quem é que te fez isso?
     - Foi o Mário Bozano, com uma cabeçada! - respondeu, com frieza, o cliente.
     - O quê! E tu deixaste que isso acontecesse?
     - Ora, como o gajo era meu amigo, eu não esperava, e fui apanhado de surpresa.
     - Eu sei que ele era teu amigo, mas para te fazer isso, alguma tu fizeste!
     - Ora, apenas lhe chamei filho da puta!
     - Então, Zé Carlos, só se perderam as que cairam no chão! Não achas que o Bozano teve razão para te fazer isso?
     - Não, não acho! Porque se eu lhe tivesse chamado filho de puta, então estaria a ofender a mãe dele, agora filho da puta, é uma coisa normal, generalizada, sem ofensa, e ele não deveria ter levado a mal.

     Então, agora e perante o exposto, digo eu: se tudo isto é uma questão de preciosismo, pode um vulgar cidadão deste país chamar filho da puta a um político, cara a cara, sem estar a incorrer numa ofensa ou, pelo contrário, está a tratar o fulano de modo menos amistoso? E se, pelo contrário, o chamar de filho de puta? Onde é que se situa este epíteto? Qual é o ofensivo e o inofensivo? É uma questão de regionalismo? Será uma questão de o político ser sobejamente conhecido? É que há gente dessa que o povo já conhece de gingeira, sabem? E se estivermos em qualquer região do país, ilhas incluídas, e soubermos que um determinado político é mesmo um grandessíssemo filho de puta? Poderá ser tratado como tal, ou tem que se ser mais afável e tratá-lo apenas por filho da puta? De qualquer modo, e seja como for, estou tentado a pensar que as velhas de Vale da Pinta é que tinham razão e que tudo isto não passa de meros preciosismos.

     Para rematar, e no propósito de não me desviar do cerne da questão, que só agora vou aflorar, e vendo tudo o que se tem dito e escrito acerca da famigerada lei das candidaturas às Autarquias, cuja redação alguém viciou com um "de" em vez do original "da", vou dizer o que penso acerca dessa congeminada tramoia. Está-se mesmo a ver que, quem redigiu o "de" e rasurou o "da", o fez com o firme propósito de dar cobertura à reeleição dos seus dos amigos, quer sejam corruptos ou impolutos. Perante tal farsa, só se me afigura uma frase: puta que os pariu! Isto, quer estejamos na presença de putas impolutas ou de putas polutas, o que, para o caso, e na senda dos anteriores preciosismos, tanto faz.  Assim sendo, já não preciso de arranjar desculpas ou artifícios para utilizar as preposições "da" e "de", sempre que aos políticos aludo. Quero lá saber se são candidatos às Câmaras de Lisboa, do Porto, de Sintra, ou se são chamados de Seara, Menezes ou Flores! Cá para mim são todos iguais.Tábua rasa. Se não quiserem ser equiparados a lobos, não lhe vistam a pele.

     Abaixo as "lapas", as jogadas por debaixo do pano, o compadrio e a corrupção; abaixo a semântica, as charlas, as charlatanices e os charlatães. Abaixo os preciosismos e mais quem os utilizar! Tudo isto resumido em apenas quatro palavras: - Estou farto de malandros!

Por: José Caria Luís

Obs. Texto escrito com base no Acordo Ortográfico
  
   
    


 

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

CARNE DE CAVALO? QUE ESQUISITICE !




Até carne de BURRO, quanto mais de CAVALO!


      Carne de CAVALO? Questionam eles. Que esquisitice! Digo eu. Pois fiquem sabendo, meus amigos, e não só, que essa estória ou mania de não gostar de carne de cavalo é uma modernice sem qualquer base de sustentação ou, como diz o povo, uma coisa sem pés nem cabeça. Há lá melhor bife do que um bom naco de carne de equídeo?
     Na minha terra houve dois talhos em permanência: o do Chico da Anica (mais tarde o filho, Zé Periquito) e o do Francisco Rouxinol. E digo houve, porque hoje já não há nenhum. Aquele primeiro, ainda durou para cima de cinquenta anos, enquanto que o segundo se deve ter ficado pelas quatro décadas. Estes só vendiam carne de carneiro e de porco, que eles próprios matavam. Nem vaca nem cavalo alguma vez teve a honra de se ver exposto em tais escaparates. Dá-me a impressão de que, para o povo de Vale da Pinta, o consumir carne de cavalo, até seria uma heresia. Tal como os muçulmanos abominam a carne de porco, também os meus conterrâneos eram avessos à de cavalo. Carne de vaca, embora só mais tarde se verificasse a abertura de talho desta especialidade na terra, sempre vinha, aos fins de semana, do Mercado do Cartaxo, e comia-se. Os tais dois talhos mais antigos, até tinham rebanhos de ovinos, que criavam e apascentavam, não só por cômoros e valetas mas, também, pelas herdades pertenças de A, B e C, o que, de vez em quando, despoletava um queixa na G.N.R. e lá ia o Chico da Anica e mais o Rouxinol, cada um a seu tempo, à vez, pagar a multa ao Cartaxo.
     Em tempos que já lá vão, já para cima de meio século, nos tempos em que trabalhei em Colares, Oeiras, Sesimbra, Lisboa (Alvalade e Alcântara), vi, com grande surpresa, que havia talhos de carne de cavalo. Até em Marrocos vi alguns talhos de carne de cavalo, vejam bem! À primeira vista nem dava para acreditar. O quê? As pessoas, os humanos comiam carne de cavalo? Mas a verdade é que se os estabelecimentos estavam abertos é porque tinham clientela, senão fechavam todos, como está a acontecer agora, embora por motivos diferentes.
     Mas, bem vistas as coisas, às tantas até a carne de burro marchava... Marchava, porque marchou, durante alguns anos, para o bandulho dos saloios, ali para Loures, Odivelas e Olival Basto. Nas décadas de cinquenta e sessenta descobriu-se um grande filão de matadouros clandestinos que, à mistura com as outras espécies consagradas no altar da mesa dos portugueses, aproveitavam todo o tipo de gado asinino para alimentar uma grande fatia daquelas populações, ali mesmo às portas de Lisboa. Porém, que se constasse, parece que não houve óbitos nem duradouras maleitas. Prenderam meia dúzia de mixordeiros, fecharam alguns estabelecimentos e pronto. Carne de burro, jamais! Penso eu. Mas agora, aqui para nós, que mais ninguém nos lê: que tal uma bela nalga de um tenro burrito assado no forno? Não ia, não? Ó meus amigos, é tudo uma questão de hábito... ou fome!...
     Fique pois o pessoal ciente de que uma coisa é a saborosa, saudável e energética carne de cavalo, a outra, completamente diferente, é pretenderem vender gato por lebre que é, como quem diz, operarem uma miscelânea de carnes, em que intervêm cavalo e vaca, com rótulos falsos, como no caso das embalagens de lasanha, vendidas por essa Europa fora. Todavia, como o que não mata engorda...
     É bom que se averigue qual foi o animal que mais se distinguiu no campo da maluquice: se os cavalos ou as vacas. Cavalo louco ou "Crazy Horse", que eu saiba, houve apenas três e, mesmo assim, foi no sentido figurado, já que era o nome de guerra atribuído a um chefe índio; um cabaré de maus costumes, em Paris e o nome de batismo de um conjunto pop norte-americano. Quanto à quantidade de vacas loucas, estamos conversados. Aqueles que sofrem de insónias, em vez de se porem a contar carneiros, passem a contar vacas, mas loucas. Contudo, aposto em como estas são bem mais que os cavalos.

Obs. Este artigo está conforme o novo A.O.