Há os Mestres e os mestrezinhos
Como tudo na vida, há temáticas que nos são familiares e outras nem tanto, mas, mesmo nestas, onde não somos muito entendidos, desde que sejamos, ao menos, medianamente cultos, também estamos habilitados a emitir a nossa opinião. No caso vertente, esta minha análise não padece de qualquer preconceito nem terá um nível por aí além, atendendo a que não tenho formação superior. Por isso, pese embora as minhas naturais limitações, e para que mais não sirva do que exercitar o cérebro e os dedos, não me coíbo de passar para o teclado o que, no que concerne ao título deste artigo, me vai na mente.
Ando há algum tempo com a mania fisgada de que, qualquer dia, teria que "desabafar", passando, não para o saudoso papel, mas para a tela, o meu conceito acerca deste tema, que apelido de "Os MESTRES e os mestrezinhos". Então cá vai:
Era eu um miúdo que, em Vale da Pinta, quando frequentava a Primária, já ouvia, com uma certa frequência, o tratamento de "mestre". Sempre que alguém de fora da terra - como, por exemplo, aqueles motoristas dos camiões carregados de tonéis vazios que, depois de cheios, haviam de retornar rumo às adegas dos armazenistas do Cartaxo - demandavam a aldeia, nós os putos, não sabendo o nome de cada um deles, costumávamos chamá-los por "mestre". Alguns deles não gostavam muito desse epíteto e, mostrando desagrado e usando líguagem vernácula, mandavam-nos ir chamar mestre a outro.
Passados alguns (poucos) anos e entrando no mundo das obras, constatei que, a todo o artífice que manuseasse uma colher de pedreiro ou serrote de carpinteiro, também tratavam por mestre. Até o homem, que passava as mestras de argamassa nas paredes e que serviam de guia para o reboco, era apelidado pelo mestre das mestras. Desde o mestre-escola ao mestre da música, passando pelo mestre-sala, mestre de armas, mestre de campo, mestre-cuco e mestre de obras, todos eram mestres. Mestre, também o foi Afonso Domingues que, confiando na sua sabedoria, permaneceu dois dias e duas noites sob as abóbadas do Mosteiro da Batalha, expondo-se ao eventual perigo de uma derrocada e, ao mesmo tempo, desafiando os seus detratores. Até eu fui mestre, em duas situações distintas: uma como mestre pedreiro e uma outra, uns anos mais tarde, como mestre de obras. Este grau académico-profissional foi-me passado, com diploma e tudo, pela Escola Técnica Machado de Castro. Porém, depois de 1975, passei, tal como os outros ex-colegas, a ser considerado Agente Técnico de Arquitetura e Engenharia. E lá se foi o mestre para o galheiro.
Mas os mestres não iriam ficar por aqui, já que, nos últimos tempos - e parece que foi novidade que tende a eternizar-se - os mestrados despontam a um ritmo vertiginoso; mais parecendo cogumelos a florescer, bosques adentro.
Ora bem. Qual é, então, o grau de analogia que se nos depara quando se olha para este tema, de um modo mais abrangente? Ora aqui é que aparece o paradoxo: os estudantes que perfilham a continuidade dos estudos após a licenciatura - de 3, 5 ou 6 anos anos, conforme os casos, não tendo onde se "encaixar" num qualquer emprego, dentro da sua área ou noutra, mesmo que de modo precário, mas que lhe garanta um início de vida condigno, e sendo-lhe negado esse bem, partem para o mestrado. Mas atenção: isto é só para os que têm essa veleidade, porque muitos, devido restrições no seio familiar, veem essa progressão por um canudo. E, assim, para estes, o mestrado torna-se uma miragem. E convém não esquecer que, aqueles licenciados de 3 anos, continuando mais 2 no tal mestrado, acabam por ser mestres ainda mais cedo do que os que ainda estão nas licenciaturas de 5 ou 6 anos.
Mas será que muitos daqueles licenciados, que prosseguem na carreira estudantil, virão, depois, a ter sucesso na vida empresarial? É que, nesta área, em termos de categoria profissional, um mestre estará sempre um grau acima do licenciado. Agora, imaginemos o exemplo de um licenciado em enfermagem, já com dez ou mais anos de carreira, ficar sob alçada do recém-mestrado, que nunca trabalhou na vida... E esta aberração pode estender-se a outras áreas e demais profissões.
Sobre o exposto, não se conclua que eu advogo que os estudantes que não conseguem emprego ou que não tenham grande possibilidade de emigrar, se fiquem aí, por qualquer canto, a arrumar carros ou a fazer coisas ainda piores, não. O sistema e as circunstâncias em que os políticos e banqueiros deixaram o país é que aniquilaram os anseios de qualquer jovem que, agora, se vê metido num colete de forças, do qual não sairá tão cedo. Portanto, o que seria normal era que, cada um deles, após ter concluído a licenciatura (de 3; 5 ou 6 anos), tivesse um mercado de trabalho à sua espera. Depois, aí, cada qual mostraria a sua valia, evoluindo e progredindo na carreira. O mestrado seria feito de modo gradual, conforme a mais-valia e os créditos obtidos na profissão. Melhor seria que saíssem Mestres em vez de mestrezinhos. Tentem, pelo menos.
Em minha opinião, perante a pérfida herança deixada pelas seitas de malfazejos que vos criaram esta situação, mais vale andar a fazer mestrado do que parar de todo, mas daí à realidade da lógica e do país, vai uma diferença abissal. O "saber não ocupa lugar", se bem que, a mim, em tempos remotos, queriam fazer-me acreditar que o saber não ocupava nenhum lugar, isto é, quem sabia não arranjava emprego. Tinha eu 14 anos e queria, a todo o custo, estudar à noite, já que durante o dia tinha que bulir, no duro.
De todo o modo, boa sorte, malta. Ânimo.